Partindo da concepção do bem
viver, que visa recriar diante do fracasso do neoliberalismo um antigo conceito
de algumas culturas andinas, o princípio de vida em harmonia com outras pessoas
do mesmo grupo, entre grupos diferentes, com nós mesmos, com a mãe terra e seus
filhos e filhas de outras espécies, inspirada na conferencia de abertura do IV
encontro internacional de Ecomuseus e museus comunitários com Leonardo Boff
inicio minhas impressões sobre Belém e sobre o referido encontro, tendo a
certeza de que, enquanto brasileira, natural do Rio de janeiro não fazia idéia
do que me esperava ao pisar na Cidade Morena, a capital do estado do Pará, a
cidade das mangueiras.
Essa concepção se adequou
perfeitamente ao que vi e vivi na Ilha de Caratateua, Mosqueiro, enfim no
território do Ecomuseu da Amazônia. Foram sete dias de puro aprendizado, vivi a
experiência comunitária de fato, interagindo muito com os belenenses,e,
confesso que não imaginava um povo tão receptivo, tão amável, um mundo de
gentes, saberes, histórias e os cheiros do Pará... a diversidade e abundância
dessa terra. Sabores! Como esquecer do cupuaçu? Do Uxí? E do Taperebá? Cujo
nome tive dificuldades para acertar, sendo motivo de risos em uma sorveteria no
centro de Belém, não posso esquecer do famoso açaí e do ingá... E o Tucupi e o
tacacá? Gostos únicos e inconfundíveis.
Iniciei esta viagem pela
Ilha de Caratateua, lar da escola Bosque Professor Eidorfe Moreira e do
Ecomuseu da Amazônia, uma das 25 ilhas que formam o Distrito Regional de
Outeiro, banhada por águas doces,
com rio que mais parece mar, minha primeira impressão da Praia do Amor, que
conheci assim que cheguei. Um local povoado por comunidades ribeirinhas,
artistas, poetas e escritores, enfim, de gente muito boa. Impressionei-me com
as dimensões da Escola Bosque, onde fiquei hospedada e com sua estrutura, a
conferência de abertura do evento foi realizada na UFPA, mas o evento ficou
concentrado na Escola Bosque.
Tive a oportunidade de
percorrer grande parte da cidade, atravessando-a, indo até outros municípios
como Benevides, passando por Marituba (outro município) onde vi a estátua do
menino Deus e Ananindeua. Percorri os bairros periféricos de Belém, conheci Icoaraci,
que possui um Parque Industrial, e é
um importante pólo de Artesanato em cerâmica, no bairro do Paracuri mais
precisamente na Travessa Soledade, Paracurí
é o nome do Rio que corta essa região, importante para a comunidade, pois no
percurso deste rio encontram-se várias jazidas de argila, matéria prima para a
confecção das peças de cerâmica, ameaçadas com as constantes invasões... Também
conhecemos a orla de Icoaraci, belíssima por sinal, onde foram comemorados os
cinco anos do Ecomuseu da Amazônia, assistimos a uma bela apresentação de
carimbó e também conhecemos a feirinha de artesanato da orla, repleta de peças
lindíssimas.
Percorrendo a cidade pude
conhecer também Terra firme ou bairro Montese ou ainda Casa preta, um dos
bairros mais populosos de Belém, sabidamente violento, ganhou esse apelido
(Terra firme) por ser constituído por terras “firmes” e altas próximas a áreas
alagadas pelo rio Tucunduba. Terra Firme concentra várias instituições de
pesquisa e ensino, mesmo com sua fama de bairro violento, além disso, fica nas
proximidades da UFPA. Muitos projetos
estão sendo realizados por lá, e o poder público também atua, com as
ações do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci)/
“Território de Paz”, o nome do projeto.
Também tive a oportunidade de passar rapidamente pelo centro de Belém,
pela cidade velha, conhecer o famoso mercado “Ver o peso” e descobri porque tem
esse nome, passei pelo Forte do Castelo do Senhor Santo Cristo do Presépio de
Belém ou simplesmente Forte do Presépio, na baía do Guajará, na ponta de Maúri
à margem direita da foz do rio Guamá, me impressionando com a belíssima
paisagem, vi os prédios residenciais altíssimos da cidade, e constatei que como
toda capital Belém também é repleta de contrastes.
O IV EIEMC teve início no dia
12 de junho, com a já citada conferência de abertura com Leonardo Boff, mediada
por Mario de Souza Chagas, Boff iniciou sua conferência com uma analogia, na
minha opinião acertadíssima, entre a semente e o Ecomuseu (a semente possui em
si a raiz, as folhas, o caule, os frutos...), e como sempre defendeu a
substituição do paradigma antropocêntrico pela perspectiva biocêntrica, pude
perceber, a partir desta conferência que o desenvolvimento sustentável é um
conceito puramente ideológico, pois não é possível desenvolvimento, ao menos na
medida em que desenvolvimento provoque a produção de bens materiais, em um
planeta cujos recursos estão chegando a beira do esgotamento, Boff afirmou que
devemos “descolar” a sustentabilidade da economia, pois a economia fez da
sustentabilidade sua refém, e ressaltou que passamos de uma economia de mercado
para uma sociedade de mercado, assim governos, empresas e a sociedade civil
interessados em aumentar sua riqueza apenas usam o discurso da sustentabilidade
para posar como politicamente corretos. Boff defendeu que a sustentabilidade é
uma espécie de constante cosmológica, biológica humana, processos globais que
permitem ao universo se manter, e definiu: “sustentabilidade é toda ação
destinada a manter as condições energéticas, informacionais, físico-químicas
que sustentam todos os seres do universo, especialmente a terra viva, a
comunidade de vida e a vida humana, visando a continuidade de todos esses seres
e ainda atendendo as necessidades das gerações presente e futura, de tal forma
que os bens e serviços da natureza sejam mantidos e enriquecidos em sua
capacidade de regeneração, reprodução...”
Aprendi muito no decorrer de
todo o IV encontro, as experiências de outros Ecomuseus, as palestras, as mesas
redondas, todas imprescindíveis para nós, do movimento Ecomuseu Sepetiba, ainda
incipiente, embrionário nesse universo ecomuseológico. O exemplo do Ecomuseu da
Amazônia nos fez refletir muito, como dito no próprio texto provocativo deste
evento após vários anos este ecomuseu
fez da capacitação dos habitantes e das comunidades dos territórios que lhe
foram confiados (três ilhas e um distrito da cidade de Belém, capital do Estado
do Pará) o coração de sua política, atuando em comunidades marginalizadas,
isoladas, auxiliando no empoderamento, na construção de confiança em si (auto-estima)
e no apoio de modo voluntário e criativo sobre os recursos locais, estimulando o processo de conscientização e a criatividade da
população, para isso utilizando as informações do seu passado e presente e os
seus recursos.
Não
posso esquecer de dissertar aqui sobre a
experiência que mais me marcou no decorrer desta semana de suspresas, descobertas,
construção de conhecimento e aprendizado, no último dia de nossa estada em
Belém visitamos a ilha do Mosqueiro, podíamos optar entre três roteiros
possíveis nesta ilha, escolhi, ainda um pouco insegura o assentamento Paulo
Fonteles, no bairro Sucurijuquara.
Uma comunidade surpreendente, motivo pelo qual o título deste texto é “nem
a força dos ventos pode derrubar um ideal” frase de Paulo Fonteles, que deu
nome ao assentamento, que corresponde perfeitamente ao que vimos, vivemos e
aprendemos nesse encontro e com o Ecomuseu da Amazônia; tivemos como cicerone o
comunitário David, pessoa maravilhosa e nos encantamos com sua simplicidade e
sabedoria. Trata-se de uma comunidade muito solidária, bastante politizada que
luta a todos os instantes por seus direitos sejam eles coletivos ou
individuais, e estão sendo orientados pelo Ecomuseu da Amazônia, podemos
perceber isso quando perguntei a David o porquê do nome “Paulo Fonteles” e
descobri que se trata de uma homenagem ao ex-deputado e advogado de posseiros
do Sul do Pará assassinado em 1987, conhecemos o projeto Probio, incentivado
pela Petrobrás e verificamos a perfeição do trabalho realizado ali, o respeito
pelas seringueiras, muitas centenárias, conhecemos a história da trilha da
brigada, “viajamos” de rabeta (e essa aventura não estava no roteiro), e
respiramos o Pará de verdade, encantados com os mangues, com o tamanho das
raízes do chamado “mangue verdadeiro”, com a exuberância da natureza, com o
rio/mar...
Após a travessia
eletrizante de rabeta almoçamos na casa de dona Germina, onde fomos muito bem
recebidos e nos deliciamos, embora se trate de uma comunidade unida e
politizada e bem orientada, pude perceber que ainda possuem alguns problemas,
entre eles estão a insuficiente iluminação pública, saneamento básico, além
disso a distância de escolas e a falta de pavimentação. Não posso deixar de
falar de Dona Iladir, um exemplo de força, nos contou que pegava açaí do pé e
há pouco tempo caiu de um pé quebrando duas costelas, e mesmo ainda se
recuperando não perdeu o pique, nos acompanhando durante todo o percurso da
trilha (aproximadamente uma hora e cinqüenta minutos), Dona Iladir cuida ainda
de nove netos e com muita boa vontade me incentivou a atravessar o rio de
Rabeta, pois eu estava temerosa, e para me surpreender ainda mais empurrou o
referido barquinho comigo e mais três pessoas em cima sem muito esforço
aparente, ainda cuida de seu roçado, e em sua simplicidade vive feliz,
conhecemos in locu uma casa de
farinha e nos encantamos com dona Domingas, matriarca da família que cuida da
casa, vimos todo o processo para se extrair o tucupi, a farinha, e a beleza do
trabalho realizado por essa gente maravilhosa, também visitamos a criação de
tilápias e tambaquis (piscicultura), a horta orgânica do assentamento, me
apaixonei por um pequeno cabritinho, temi uma formiga gigante que indica que a
mata onde estávamos era primária e caso algum de nós fosse picado por ela teria
24 horas de dor( informação que deixou a todos e todas receosos), a tiririca, o
pau de fogo, experimentei ingá, vi sementes e plantas lindas ; senti a água morna do rio que parece mar...
Tenho por
obrigação, admiração e respeito agradecer e parabenizar Maria Terezinha Resende Martins, por tudo o que me foi proporcionado
nessa aventura, também não posso esquecer de Emília Medeiros de Souza e toda a
equipe responsável por este evento, Gerson Lage, Renato Souza, Ellen Thaís
Azevedo, Luana Fortuna, Lecinda, Wildinei Lima, Afonso, Luiza, Lidy e muitos
outros não menos importantes, que ficarão para sempre em meu coração.
A experiência adquirida no IV
encontro internacional de Ecomuseus e museus comunitários, só me fez asseverar
a minha perspectiva, a minha concepção de que o Ecomuseu deve ser uma expressão
do homem e da natureza, a relação que se dá entre os dois e todas as possíveis
relações entre o homem e o “real”, é uma expressão do tempo, reflexo, espelho. Sentirei
saudades da cidade morena, das mangueiras, do tucupi e do açaí, não serei mais
a mesma após sentir, viver e aprender a amar Belém, e infelizmente eu não pude
conhecer tudo o que desejava, quero voltar, quero voltar a Paulo Fonteles, quero
aprender mais com o Ecomuseu da Amazônia e me admirar com a diversidade do meu
país continental, lindo, vívido, Brasil! Viva a Belém! Viva o Pará!
Nenhum comentário:
Postar um comentário